Praticar skate já foi coisa de guri. Eram os meninos que dominavam as pistas e facilmente se identificavam com o estilo de vida todo particular adotado, normalmente, pelos adeptos deste esporte. O deslizar sobre rodinhas era apenas uma parte da vida dos caras que incorporavam a linguagem, as roupas, o estilo e o pensamento ligado à cultura skate. Já foi. Agora, skate é coisa de guria também. E não pense que é de umas poucas gurias. Skate, agora, é tendência. É moda, é estilo, é esporte, é comportamento. É coisa de mulher.
Há alguns anos, a prática do skate começou a romper os muros dos guetos e deixou de ser exclusividade dos poucos que mergulhavam de corpo, alma e figurino no estilo adotado pelos surfistas do asfalto. Gente com os perfis antes considerados improváveis foi atraída pela possibilidade de praticar um esporte ao ar livre em meio ao concreto das grandes cidades.
Assim, as pistas públicas dos parques e praças foram invadidas, aos poucos, por quem não era da tribo. A construção de pistas particulares, em locais fechados, ampliou o acesso e facilitou a prática. O baixo custo e a versatilidade do skate selaram o destino deste esporte. Hoje, as grandes cidades estão cheias de skatistas que sobem na prancha com rodinhas para se divertir, se locomover e manter o corpo em forma.
Antes recolhidas à absoluta minoria dos praticantes, as mulheres ganham destaque. Famosas no Brasil e no Exterior, emprestaram sua popularidade ao esporte, tornando-o ainda mais desejado. A atriz Thayla Ayala, por exemplo, é uma das embaixadoras do skate. Frequentemente é flagrada praticando no Rio de Janeiro, exibindo o figurino clássico do esporte, com um toque moderno e, claro, muito feminino.
As atrizes Ludmila Dayer, Giovanna Lancellotti e Guta Stresser também são praticantes assíduas. A apresentadora Ellen Jabour compartilhou em uma rede social, recentemente, uma foto sobre o skate. A top Candice Swanepoel, a atriz Miley Cyrus e a cantora Avril Lavigne também são conhecidas adeptas.
Com tanta popularidade, é natural que essa nova onda tenha chamado a atenção da indústria fashion. No princípio restrita a algumas poucas marcas que fabricavam as roupas, tênis e acessórios pesadões, a moda skate já se espraiou. Além de influenciar a criação de muitas coleções, o skate entrou na pauta de grifes como Prada, Louis Vuitton, Gucci e Chanel.
Além de incorporar influências da cultura em suas criações, essas marcas já customizaram skates, provando que o esporte rompeu, definitivamente, os limites dos guetos das metrópoles, onde começou a ser praticado.
Muitos estudiosos apontam a Califórnia como local de nascimento do esporte. Os surfistas californianos, nos anos 1960, teriam adaptado rodinhas a uma prancha pequena, criando o skate. É na mesma década que se tem notícia, no Brasil, dos primeiros praticantes. Estes seriam surfistas que, em visita à Califórnia, teriam conhecido e tomado gosto pela coisa. A disseminação foi tão rápida que já na década seguinte havia competições e os primeiros circuitos eram construidos no país.
Desde o seu surgimento, o skate revelou o impressionante poder de gerar, ao redor de si, uma cultura própria, com costumes, gírias, itens de consumo, códigos e perfis para os praticantes. No Brasil, um dos maiores ícones dessa cultura foi o cantor Chorão, líder da banda Charlie Brown Jr., morto em março deste ano. Além de consolidar e popularizar o estilo de música que caracterizou a tribo dos skatistas, Chorão tornou acessível ao grande público essa cultura skate, da qual foi o maior representante.
Hoje, não é mais necessário incorporar o gosto musical, os ideais, os pensamentos e as gírias para praticar o esporte livremente. Tampouco é preciso fazer parte de uma tribo. Tanto que muitas das mulheres que representam as novas adeptas do skate passam longe do perfil clássico do skatista em tempo integral.
Usam as roupas e acessórios inspirados na iconografia do esporte, mas são livres para deslizar sobre as rodinhas apenas como hobby e para manter o corpo em forma. Basta um passeio pelas principais pistas de skate do país, de Porto Alegre inclusive, para comprovar que a mulherada desliza à vontade sobre a prancha.
NO CABELO, NA PROFISSÃOE NO ESPORTE
Cabeleireiras e ruivas. Não bastassem profissão e tom dos fios em comum, as irmãs Emanuelle e Beatrice Ribeiro, de 21 e 19 anos, encontraram no skate mais um ponto de encontro, uma similitude de personalidade e gosto que as aproximou ainda mais. Aproveitam juntas as horas dedicadas ao esporte para somar momentos de vento no rosto e paz de espírito.
A primeira a se embalar sobre o shape foi Manu, que aos 16 descobriu uma das maiores pistas do Brasil perto de casa: o IAPI. Beatrice levou um tempo até superar a vergonha. Quando criou coragem, deu as primeiras voltas na Sogipa, seguindo de lá para Banx e Swell. E assim as irmãs encontraram a afinidade mais emocionante e divertida entre elas.
As duas concordam que, para praticar, a melhor roupa é a mais confortável. Especialmente por que, lembra Beatrice, não é o estilo de vestir que deve chamar a atenção.
— O que importa é a satisfação de poder andar como a gente bem entender — dizem as duas, quase em coro.
A maior lição aprendida com o skate, porém, passa longe da moda.
— Para andar de skate não é necessário ter muita força, apenas equilíbrio. E isso é algo que se leva para a vida. Quando se é mais equilibrada, mais leve e mais flexível, a vida também fica mais fácil — conclui Beatrice.
A irmã mais velha concorda e assina embaixo.
A MELHOR DO MUNDO É NOSSA
Ela é desbocada, tem visual de "mano" e não se intimida diante de nada. E olhe que só conta 20 aninhos. Prova é o título que carrega desde 2010: a paulistana Letícia Bufoni é líder do ranking mundial feminino de skate na categoria Street, aquela que simula obstáculos urbanos nas manobras dos competidores.
Em abril deste ano, conquistou a primeira medalha de ouro em uma competição de X-Games, a principal do mundo em esportes radicais. Iniciada no esporte aos 10 anos com um skate emprestado, Letícia ganhou o seu próprio equipamento da avó, aos 14. Desde então, dedica-se a provar que o esporte pode ser, sim, coisa de mulher. O domínio dos homens nas pistas está com os dias contados, se depender dela.
SOBRE RODINHAS, ELA É PARTE DAS RUAS
Quando não consegue reunir os amigos para andar de skate, a publicitária e baterista Luíza Centeno Tavares faz do fone de ouvido um parceiro. Aos 23 anos, ao som de Cut Copy, Millencolin ou Bob Marley, enxerga os detalhes da cidade que adotou há pouco tempo.
— Vejo de perto tudo que existe. Por isso, conheço Porto Alegre melhor do que muita gente que sempre morou aqui.
O amor pelos shapes começou aos 10 anos e a acompanha desde então. A paixão já foi tão, mas tão grande que levou Luíza a disputar temporadas em campeonatos de free style em lombas.
— Gostava tanto que guardava uma rampa na garagem. Todos os dias colocava na frente da minha casa. Tornou-se o lugar oficial da turma — relembra.
Das vivências sobre rodinhas, aprendeu a sentir-se parte das ruas. Por elas, circula com o que tem de mais confortável: tênis, camiseta, short e aquela boa música no ouvido. E sempre tenta convencer os amigos a acompanhá-la nas jornadas de skate por Porto Alegre.
— Incentivo todos a se tornarem skatistas. E tem dado certo — comemora.
AVENTURAS DE PAI E FILHA
Quando contava historinhas para a filha pequena, o empresário e escritor Frederico Manica nem lembrava dos românticos contos de fadas. Falava mesmo era de aventuras e esportes radicais, seus temas prediletos desde sempre. A guria cresceu com todo o incentivo que precisava para se apaixonar pela coisa. E não deu outra. Além da prática do skate, que pai e filha compartilham desde a infância dela, Isabella Manica virou atleta de vôlei no Grêmio Náutico União aos 16 anos.
E o pai, agora com 39, seguiu narrando suas histórias. Muitas delas foram parar no livro Florinda e Florisbela: Gêmeas Iguais ou Diferentes?, que tem entre as personagens principais um skatista. Afinal, skate faz parte da vida da dupla, que encontrou sobre as rodinhas uma filosofia de vida.
— O skate cria um círculo de amigos que não depende de critérios de idade ou nível social. É símbolo de liberdade — diz Manica.
Apesar da saudade da filha, que precisou se afastar das pistas em função dos compromissos com o vôlei, ele segue influenciando outras gerações de meninas e mulheres a adotar os shapes. Ensina às turmas femininas no BANX um exercício completo para o corpo e demonstra os benefícios do esporte.
— No skate, o conteúdo é que molda a forma. O ímpeto do skatista é saltar alto sobre as dificuldades, com estilo e determinação, sempre aterrissando com elegância. Há um contínuo movimento contra a inércia, seja do corpo, seja da mente.
PRINCESINHA RADICAL
Foi-se o tempo em que aniversário de menina tinha que ser decorado com balões cor-de-rosa, temática de princesa e todos os demais frufrus associados ao universo feminino mirim. Prestes a completar 10 anos, Ana Maria Nunes quer combinar seus longos cachinhos dourados com uma boa e radical pista de skate. Apesar da pouca idade, não lhe falta contato com os shapes: ganhou o primeiro aos seis anos, presente do pai, o fotógrafo Marcelo Nunes. É com ele que ela anda nas proximidades do Parque Marinha do Brasil todos os finais de semana.
— Quando Ana ainda era bem pequena, o Marcelo a colocava na cadeirinha da bicicleta e descia rampas a mil. Eu nem tinha coragem de olhar — lembra a mãe, Shanitz.
Segundo ela, a filha herdou o gosto pela adrenalina e já começou a ensinar também o irmão, o pequeno Lucas, de três anos.
— Ela conhece todas as marcas, os modelos de tênis e os skates que quer colecionar — revela Shanitz.
A decidida garota, aliás, vai realizar o desejo de comemorar sobre rodinhas sua primeira década. A festa já está marcada: vai ocorrer no Complex, acompanhada de comida mexicana.
É PRECISO ENTENDER O MUNDO DO SKATE
O escritório porto-alegrense Skate Spot tem no currículo a construção de mais de 40 pistas para a prática de skate, públicas e privadas, em todo o país. Em Porto Alegre é o responsável pelas principais pistas indoor, consideradas o maior impulso para o renascimento do esporte por aqui. Formado em Arquitetura pela UFRGS, o arquiteto Frederico Cheuiche, um dos sócios, transformou sua paixão pelo skate em profissão. Nesta entrevista, ele comenta o momento atual do esporte no Rio Grande do Sul.
Donna - Qual o segredo para se construir uma pista de skate?
Frederico Cheuiche - O arquiteto tem que entender o skate. Eu ando de skate desde os oito anos e com 12 já participava de campeonatos. Aos 17 rompi os ligamentos do joelho e precisei parar. Nesse meio tempo, passei no vestibular para arquitetura. Mas minha vida sempre esteve muito ligada ao skate, por isso consigo compreender as necessidades de quem vai praticar na pista que estamos projetando.
Donna - Como você vê essa retomada do skate, esse renascimento do esporte?
Frederico - O Brasil é a segunda maior indústria de skate do mundo, somos autossuficientes em tudo, não importamos nada. Essa retomada se deu muito em função da inauguração das pistas verticais, como o Banx e o Complex, que nós projetamos aqui em Porto Alegre. E acredito que agora atingimos a maturidade no esporte. Digo isso por que as pessoas não vão mais aos locais somente para andar de skate. Os espaços são multidisciplinares, têm gastronomia, loja, música, bar... e pista de skate. É um espaço de convivência, um lugar para viver a cultura skate. Além disso, os skatistas do passado, que hoje são pais, estão levando seus filhos para o esporte.
Donna - A presença das mulheres é bem maior hoje do que foi no passado, certo?
Frederico - Com toda a certeza! Nunca vi tantas mulheres praticando. E muitas estão se destacando, executando manobras de uma forma totalmente nova. Os homens nunca haviam atingido esse nível, acho que é um jeito todo feminino de executar as manobras, próprio das mulheres. Antes, as poucas praticantes eram meio masculinizadas, era difícil para a mulher aquele meio. Hoje não. Elas são femininas e estão imprimindo o seu jeito de andar de skate nas pistas. FONTEZEROHORA#